


Qual é a lembrança mais doce do seu Natal?
Sobremesa mais amada das festas de fim de ano, esse pãozinho doce faz parte das memórias de muitas famílias pelo Brasil
por Sobremesah
por Ana Bárbara Elias
Quando fecho os olhos e penso em Natal, imediatamente sou transportada para a cozinha da casa da minha avó materna e sinto cheiro de rabanada. A temperatura, que já era alta nos primeiros dias do verão, subia ainda mais com a boca do fogão ligada enquanto ela fritava os pães embebidos na mistura de leite, ovos e açúcar. Com uma mão eles eram imersos naquele óleo fumegante e com a outra eram retirados com a escumadeira para escorrerem em papel de pão. É, nem sempre tinha tolha absorvente e usava-se o que era possível.
Aquele pedaço suculento de pão doce frito, deitava-se em um monte de açúcar com canela, que grudava e deixava o aroma ainda mais intenso. Meus olhos arregalados apreciavam de longe aquela linha de produção. E como era doce a minha avó; Ruth, se chamava. Ela dizia: “filhinha, deixa esfriar um pouquinho para você comer”. Eu não queria saber, ia enfiando o dedo e roubando pequenos pedaços ainda quentes, porque a espera era grande: um ano inteiro por esse momento.
Assim que o doce esfriava um pouquinho, pegava direto com as mãos e tasca umas três mordidas, lambuzando o rosto de açúcar e fazendo um rastro daquela poeira branca no chão, atraindo formiguinhas. Com meu tão aguardado prêmio, corrida para comer sossegada no quintal. A cada mordida de olhos fechados, eu suspirava. E me sentia bem. Que felicidade era aquilo.
Não se passavam cinco minutos e lá estava eu de volta na cozinha dizendo: “que delícia, quero mais!”. A avó sorria e fazia gestos com a cabeça e as mãos autorizando que mais uma fosse surrupiada. Quando eu surgia novamente para tentar roubar outra, o semblante mudava. Franzia a testa e apertava os olhos, dizendo: “deixa para os outros porque tem mais gente para comer!”. Aí eu sabia que era hora de parar.
Rabanada era doce de Natal. A estrela do lanche da tarde do dia 24, a musa soberana da mesa da ceia e a guloseima mais apreciada no café da manhã seguinte. Ah! E depois de passarem a noite na geladeira, estavam frescas e úmidas pela calda do açúcar dissolvido. E fim. Por dois dias eu comia o quanto aguentava. Salivo só de pensar. É impressionante como a sensação desse momento é viva. A rabanada gelada até hoje é a minha preferida.
Sigo comendo outras tantas por aí. Eu faço, minha mãe faz, compro na padaria, só que não é a mesma coisa. Os sabores se assemelham, mas a textura diferente. E sigo em busca da rabanada perfeita. Não falo da perfeição do preparo ou do sabor. É do momento perdido, do aroma da cozinha, daquele calorão das tardes de dezembro. O sorriso de satisfação da minha avó ao ver minha felicidade. A possibilidade de um dia tudo isso acontecer acabou, contudo o sentimento segue vivo na memória e intocado no coração.
Essa ode à rabanada veio meio sem querer. Acho que é a nostalgia. Essa época do ano traz muita lembrança e emoção à tona. Não consigo recordar a última rabanada feita pela minha avó. Ela partiu em 2011 deixando uma saudade que não cabe no peito. Jamais vou esquecer a alegria de partilhar momentos doces ao seu lado na cozinha.
Cozinha é lugar sagrado. Abençoado. Tenho muitas dúvidas se em algum outro cômodo tanta magia acontece.
fotos: Toa Heftiba e Vicky Ng – Unsplash
AMAMOS RABANADA!!


Rabanada de Natal

Rabanada recheada com frutas

MUITO ALÉM DA RABANADA

Natal é memória
