Rabanadas na madrugada
Rabanadas na madrugada

Rabanadas na madrugada

O que você mais ama no Natal?

por Joyce Galvão

Estava sentada no chão da sala, com as mãos atrás da minha cabeça, admirando a árvore que eu tinha, finalmente, terminado de montar. A minha irmã jogada no sofá, escondida embaixo de um velho e remendado lençol branco se misturava com as almofadas felpudas, parecendo um dos pequenos enfeites que eu acabava de pendurar.

– Você não está com calor Nina? – perguntei um pouco preocupada. Apesar da noite fresca de primavera, fazia 40 graus lá fora!

– Não. E não sou Nina, sou o fantasma de Natal! – disse com braveza enquanto erguia os braços e entoava um longo som fantasmagórico. “Buuuuuuu!”

Suspirei sorrindo. Eu adorava essa época do ano e amava assistir Os Fantasmas de Scrooge com a minha família, enquanto comíamos biscoitos que a vó Hilda nos enviava todos os anos junto com meias coloridas.

A árvore de Natal brilhava na escuridão, envolvida pelo nosso silêncio. Pisca… Pisca… Apaga e pisca.

– Bia, de onde as rabanadas vêm?

– Como assim? – pergunto, me levantando para olhar para ela.

– Ué, de onde elas vêm! – enfatiza, certamente fazendo sua careta questionadora por debaixo de sua fantasia.

– Da cozinha, oras! – respondo, sem entender muito bem sobre o que falávamos.

– Não, como elas nasceram!

– Puxa vida… Não sei… Só sei que são muito gostosas e que mamãe adora fazer no Natal.

– E eu adoro comer! – disse ela, com uma risadinha abafada pelo lençol.

 

O silêncio voltou, e a árvore seguia em sua dança colorida, piscando lentamente.

 

– Bia…

– Sim?

– Quero rabanada!

– Eu também!

 

Abri a porta da geladeira e alcancei ovos e leite. Enquanto isso Nina, empolgada, escalava a cadeira da mesa de jantar com um pote de açúcar nas mãos.

– Bia…

– Sim? – disse, desconfiada do pedido.

– Não é melhor esperar a mamãe chegar?

– Ué, você disse que queria rabanada!

– Eu sei… Mas é que eu gosto de ver a mamãe fazendo. Ela sempre coloca uma música divertida e me deixa quebrar os ovos.

– Hummm, e se a gente fizesse para ela também, como uma surpresa?

– BOA IDEIA!!! – gritou levantando os braços e agora, uivando como um lobo.

– Aqui está o caderninho com as receitas da mamãe. O primeiro passo é fatiar o pão.

Nesse momento Nina ficou imóvel, observando gelificada o movimento suave da faca que ia e voltava, ia e voltava, seguindo o mesmo ritmo das luzes de Natal da nossa árvore.

Depois, alcancei uma vasilha, despejei leite, um pouco de açúcar… Deixei Nina quebrar os ovos e misturar tudo com o batedor favorito de mamãe, enquanto limpava as mãos no lençol já encardido.

Deitei as fatias de pão na mistura e me virei para alcançar uma frigideira.

– Veja Bia, estão nadando! Uiiii, uiiiiii… – e lá ia a mãozinha da fantasminha tocar as rabanadas, fazendo a mistura de leite virar oceano e os pães boiando, pequenos navios desbravadores.

Coloquei um naco de manteiga na frigideira quente e antes mesmo de pensar em pedir, lá estava Nina aos meus pés segurando a tigela com suas minúsculas mãozinhas. Tomei um susto quando a vi!

– Ninaaa, que susto!

– Claro, sou um fantasma e sou assustadora! – disse me entregando a tigela e dando de ombros enquanto arrastava a cadeira para perto do fogão.

Ajeitei as rabanadas na frigideira e aguardamos que dourassem, ansiosas.

– Parece o som de ovo fritando… – disse ela, imóvel na cadeira, segurando as barras do lençol como uma princesa.

E lá ficamos, em silencio observando e ouvindo as rabanadas se aprontando. O aroma invadiu nossas narinas e juntas, no mesmo movimento sincrônico, fechamos os olhos, inalamos aquele aroma profundamente, olhamos uma para a outra e gritamos:

– Estão prontaaaaaas!! Ieeeeeeeee!!!!!

Com a espátula cacei as rabanadas agora douradas e coloquei com cuidado em nossos pratos. Desliguei o fogo e, no mesmo instante, a porta se abriu.

– Ma-mãe! – gritamos juntas, mais uma vez!

Nina saiu correndo, deixando o lençol escapar, revelando seus cabelos bagunçados e encaracolados.

– Meninas, o que estão fazendo? Hummm conheço esse cheirinho…

Sentamos no sofá, nós três, iluminadas pelas luzes da nossa árvore. Comemos nossas rabanadas enquanto mamãe lia para nós Um Conto de Natal.

“Quandro Scrooge acordou, estava tão escuro que, ao olhar para fora da cama, mal podia distinguir entre a janela transparente e as paredes opacas com seus olhos aguçados…”

 

– Bia? – sussurrou baixinho perto de mim.

– Xiii, mamãe está lendo! – e sacudi as mãos em sua direção.

– O que você mais ama no Natal?

– Isso… Você, a nossa família…

– E as rabanadas?

– Também fantasminha! Também…

E nos abraçamos enquanto mamãe seguia a história, entre uma palavra, uma garfada gulosa e imitações divertidas de fantasmas!

SOBRE A ILUSTRADORA

A Giovanna Talaska é uma ilustradora talentosíssima (você pode clicar aqui e ver mais trabalhos dela) e fez essa ilustração especialmente para que eu pudesse me inspirar e escrever essa história!

Ah! E ela é apaixonada por rabanadas (especialmente as feitas durante a madrugada), assim como eu!

VAMOS PARA A COZINHA?

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É NATAL!

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Cozinhar e partilhar o alimento é uma das poucas tradições que se repetem, mesmo que de forma diversa, em todas as culturas do mundo.
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