


Confeitaria na planilha
A fragilidade financeira de muitos negócios está sendo posta a prova. É tempo de mergulhar nos números - não apenas na cozinha - e reestruturar a casa para sair fortalecido.
por Juliana Bianchi
Mais do que forçar muitas confeitarias a se reinventar rapidamente para seguir operando durante a pandemia, a Covid-19 pode ter colocado sob os holofotes, para muitos estabelecimentos, uma realidade difícil de encarar, a fragilidade financeira que o negócio já enfrentava.
O curto ciclo de vida das confeitarias no Brasil não é assunto novo. E os motivos que levam a isso não são muito diferentes daqueles que encontramos no setor de restaurantes: má gestão e falta de um planejamento estratégico bem-feito levado a sério. Mas, nesse meio açucarado, pode-se acrescentar ainda o alto custo de produção (a contar especialmente com os fatores tempo e técnica, em se tratando de confeitaria fina) versus a desvalorização por parte da clientela, acostumada a doces “de padaria” e sobremesas congeladas.
“A coisa menos importante quando você abre uma loja é o seu doce espetacular”, lembra Flavio Federico. Chef confeiteiro há mais de 30 anos, ele já atuou como consultor, teve doceria premiada e hoje tem na grade de sua Academia de Confeitaria o curso online “Confeitaria Além da Receita”, onde ensina justamente como fincar os dois pés na realidade do mercado antes de alçar voos atrás do sonho de ter uma vitrine para chamar de sua.
Curioso, entretanto, é ver que a menor parcela dos alunos da especialização é formada por aqueles que ainda estão apenas estudando o mercado. A maioria só procura adquirir conhecimentos básicos de administração, tais como precificação, padronização, cálculo de custos, montagem de ficha técnica e fluxo de caixa, muito depois de já ter um negócio. O que, às vezes, pode ser muito tarde, se custos até então invisíveis como manutenção de equipamentos, mensalidade de um bom programa de gestão, perdas de insumos, impostos e taxas são ignorados na planilha inicial.

“O cozinheiro se perde no cozinhar e esquece que é uma empresa. É preciso ter o olhar voltado para tudo e saber descentralizar”, afirma Lia Quinderé, proprietária da premiada confeitaria cearense Sucré. “Cozinheiros são artistas, por isso a situação ideal é ter um sócio que se dedique à administração. Mas essa não é uma realidade para muita gente. Então, é preciso sair do produto, no qual você já é bom, para aprender a atuar nas áreas em que você não é bom”, completa Carolina Garofani, da finada Caramelodrama, que ainda deixa saudades em Curitiba.
A história da “casinha” com a qual ela sempre sonhou para vender seus doces durou cinco anos, encerrados em meados de 2019. “Desde que abri era pauleira todos os dias. Sofria para dar conta da produção quando a loja estava cheia e também nos dias em que estava mais calma, porque achava que não ia fechar bem o mês. Nunca mais tive paz. Precisei encerrar esse ciclo antes que ficasse louca.”
Na equação do que não repetir, Carolina coloca o alto valor do ponto, a falta de uma boa pesquisa de mercado para entender o público e a concorrência, e a pouca atenção dada ao planejamento financeiro e à administração. “Só não mudaria absolutamente nada que tange a parte de criação, o conceito, o cardápio e a identidade visual.” Ainda assim, ela não tem planos de repetir a experiência, “até por uma questão de paz. Prefiro seguir dando aulas e fazendo projetos pontuais a ficar presa à rotina de pagar quilos de boletos.”
Analisar cruamente todos os prós e contras do passo a ser dado é fundamental para não se arrepender. “Quando você vira administrador de cozinha, em algum momento você não vai cozinhar mais. Aí pode ficar muito chato”, aponta Federico, que só se arriscou a ter loja própria 15 anos após entrar na confeitaria profissional e já ter como clientes os restaurantes Fasano e a rede Fogo de Chão – para a qual chegou a fornecer 200 mil sobremesas ao mês. A marca Dolci, que começou como Só Doces e passou por rebranding para atrair o público que almejava –, durou sete anos sob sua batuta, antes de fechar definitivamente, em 2016.
Outros modelos
Já adotado com sucesso por confeiteiras dedicadas ao mercado de casamentos, o modelo de ateliê fechado – geralmente fora de bairros nobres, o que alivia nos custos fixos –, com atendimento apenas com hora marcada e venda por delivery, é uma solução que vem sendo forçosamente adotada por diversas marcas que estão com suas lojas fechadas no momento. Mas que tende a crescer no pós-pandemia.
“Não tem sentido manter um ponto caro, aberto para a rua, para vender bem apenas aos finais de semana. É preciso saber transferir a experiência e qualidade que se tinha na loja para a casa das pessoas. Estudar bem a embalagem, a apresentação, a comunicação”, indica Anna Martinez Campos, especialista em gestão financeira e administradora do site Sobremesah.

É o que fez o chef Cesar Yukio, que poucos meses após a abertura da Hanami Confeitaria, no Tatuapé, teve de baixar as portas por conta da pandemia. “Tivemos que adaptar a arte dos doces para o delivery. Tiramos do cardápio alguns mais delicados e colocamos outros já feitos em embalagens que viajam bem, além de bolos inteiros. Quando a vida voltar ao normal, as pessoas não vão querer sair tanto ou cruzar a cidade para comer um doce”, acredita.
Ali, o carro-chefe são os doces yogashi, que combinam técnicas francesas e ingredientes orientais, como o mini entremet de coco e maracujá, com compota de banana. Apesar da criação estar entre as três que mais vendem “porque saíram na mídia”, Cesar sabe que são as receitas mais tradicionais que sempre responderão pelo maior volume de vendas. “As peças-chaves darão a cara do seu negócio, vão mostrar que você pensa fora da caixa, gerar interesse e atrair o público para a loja, mas elas responderão por uma porcentagem pequena das vendas.”
Por isso, é preciso estar pronto para se reinventar, quantas vezes for preciso. Desde que abriu a Sucré, em 2007, Lia sabia que teria de deixar o purismo dos doces franceses com toques brasileiros de lado para também ter café e uma linha de salgados. “Quando a pessoa vai na loja comer um doce, ela quer lanchar. Você perde a oportunidade de aumentar o tíquete médio se não tiver o salgado”, aponta ela.

O que não significa que não foi preciso adaptações. “No começo tinha, chaussons, entremets e croissants, mas para cada 10 dacquoises de avelãs que saem, vendo mil tortas brownies. E as coxinhas sempre foram o segundo item do cardápio que mais vende”, completa ela, que chegou a ter 202 opções no menu.
“Dei uma bela reduzida ao longo do tempo para investir no que poderia me fazer crescer no volume.” E foi aí que entraram as minicoxinhas Sucré, hoje vendidas congeladas em mais de 100 pontos pelo Brasil. Feitas com massa de mandioca e diferentes recheios, elas já salvaram por duas vezes a empresa. Criadas em 2018, no auge da crise do mercado, aproveitando a ociosidade de uma máquina de enrolar docinhos, atualmente respondem por 90% do faturamento da marca. “É na crise que se escondem as oportunidades. A coxinha transformou meu negócio. Hoje consigo fazer o que quero e ser feliz por causa dela”, diz.
Lia conseguiu fazer o que o chef Federico aponta como o ponto fundamental para ter sucesso no mercado, tirar o coração da equação de custos do negócio. “Não importa quantos cursos, tempo ou dinheiro você investiu para chegar onde chegou. Na hora de gerenciar é preciso planilhar tudo com base em números reais e não com o que você acha que vale ou o que você quer fazer sem levar em conta a sua realidade”, explica ele.
E a realidade pode mudar a qualquer instante. Como agora. Então, vale tirar proveito da pausa forçada que o vírus nos trouxe para pensar com calma na sua estratégia de negócio. Questionar valores, processos, custos e hábitos que possam levar ao renascimento – ou surgimento – de um negócio longevo e saudável.
Foto capa: Mini entremet tropical do chef Cesar Yukio, da Hanami Confeitaria: adaptação e recriação constante para não se perder com as mudanças impostas pelo mercado são fundamentais. Divulgação: Hanami Confeitaria
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