


A pâtisserie me faz mal
As aventuras de um intolerante a lactose na pâtisserie que só pensa em creme de leite!
por Arthur R. Lazzarotto
Eu sou intolerante a lactose. Nem sempre foi assim, apareceu no ensino médio quando eu me preparava para o vestibular em gastronomia. Lembro de entrar no curso e não contar para ninguém por vergonha. Se nem os livros, como os de Anthony Bourdain, tratavam com respeito restrições alimentares, por que meus colegas tratariam?
No primeiro semestre eu já escutava piadas com qualquer tipo de dieta. Contei um dia para a professora do curso – quando uma colega também disse passar pelo mesmo problema – e a única preocupação que ela demonstrou foi eu não estar provando os pratos. Com isso, continuei escondendo minha intolerância para o restante da turma e tomava os meus comprimidos de lactase escondido…
Mesmo hoje, em 2020, contando abertamente, muitos cozinheiros e cozinheiras não parecem entender ou aceitar. Falam que só um pouco, um pouquinho de nada, não faz mal. Confundem com alergia ao leite, fazem piada…. Não é fácil trabalhar em uma cozinha onde tudo que é “bom” leva manteiga, creme ou queijo!
Eu amo queijo, lembro da felicidade ao descobrir que existiam queijos que perdiam naturalmente a lactose em seu processo de maturação. Descobri um novo mundo! Só que nem tudo era felicidade… Certa vez, fui em um famoso restaurante cheio de protocolos: reserva com antecedência, informar intolerâncias e, inclusive, recebi um email com perguntas sobre a minha dieta. Claro que me prometeram receber com toda hospitalidade e atenção… Claro!
Fui servido com pratos cheios de creme e uma torta de ganache (creme) de chocolate de sobremesa. Perguntei, triste, se eles não tinham confundido ou esquecido, pois não era possível! Houve um pequeno burburinho até a dona do estabelecimento vir a minha mesa dizendo: “Sinto muito mas não podemos fazer torta de chocolate sem creme, é só você usar seu remédio né?”
Não, não é! Eu só quis ir embora, desapontado e frustrado. Para mim, uma parte da restauração morria ali. Nada justificava aquele comportamento…
Em alguns lugares pegos de “surpresa” (o que não deveria mais ser assim) oferecem como opção salada de frutas para sobremesa. Fruta. Fruta… Fruta em uma mesa onde todos estão comendo tortas suculentas e sorvetes cremosos, fruta! Nada contra salada de frutas, mas eu sei descascar um abacaxi e comer na minha casa… Se vou a um restaurante quero ser surpreendido e não comer uma maçã! Quero provar os sabores que todos estão provando: chocolates, bolos fofinhos, tortas milimetricamente montadas, sorvetes dos mais diversos sabores, mousses untuosas….
Para evitar meus sofridos problemas intestinais fico limitado a comer indulgências em casa, preparadas por mim ou de um estabelecimento amigável a restrições. Guardo meu intolerante estômago para comer algo muito especial e que valha a pena as dores posteriores. Nessa dinâmica consigo até viver bem, mas sei de intolerantes que sofrem muito mais que eu!
Imagino que os alérgicos devam passar por situações ainda piores… Sem contar os veganos e vegetarianos! A Pâtisserie colonizou o Brasil de uma maneira em que criar uma sobremesa deliciosa sem creme, ou manteiga, parece impossível!!! É muita preguiça intelectual de cozinheiras e cozinheiros renomados e, com amplo conhecimento, que parecem esquecer que vivemos no país da doçaria feita com ovos, do coco, das castanhas, da pamonha, da paçoca, inúmeras frutas para sorbets refrescantes…. Uma rápida pesquisa no Google mostra milhares de opções: copiem! Façam uma sobremesa! Ou recorra ao Sobremesah e leia essa entrevista com a Carolina Iwai…
Uma simples mousse de chocolate e água, criada pelo químico Hervé This, vai tornar a noite de um intolerante mais especial. Eu só quero ser bem atendido, eu só quero comer bem. Uma só sobremesa pensada com cuidado pode atender veganos, vegetarianos, alérgicos e intolerantes. Não parece um esforço tão grande para menus extensos, certo?
Aqui no Sobremesah tem uma receita fantástica de cookies veganos da Chubby Vegan. Se já conseguiram tirar leite de pedra tenho certeza que o caminho por uma confeitaria inclusiva é possível!
foto: Robert Bye | Unplash
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