Se você já comeu um pão de fermentação natural, deve ter sentido aquele sabor azedinho que vem do levain, o nome em francês dado ao fermento natural. Mas, por que o panetone, a colomba pascal, os croissants, as viennoiseries em geral, que também utilizam o levain, não apresentam esse gosto particular? Descobri recentemente a resposta lendo o livro de Thomas Teffri-Chambelland, “Panetttone et Viennoiserie au levain” da editora Bread Edition. Ele nos explica o porquê do panetone e das viennoiseries (massas doces em geral) não apresentarem o tão característico sabor azedinho, mesmo sendo feitos com levain.
O levain (fermento natural) é resultado da ação biológica de leveduras e bactérias lácticas, contidas naturalmente nas farinhas, em contato com a água, após um tempo e temperatura adequados. Essa população de microrganismos varia de acordo com o tipo de farinha e o ambiente em que o levain é criado.
Os fermentos naturais usados para as massas doces se comportam da mesma forma que os dos pães de fermentação natural, isto é, durante as fases em que os alimentamos (os chamados refrescos), as bactérias e leveduras evoluem da mesma maneira. Entretanto, durante a produção dessas massas, que são sempre muito ricas em açúcar, as bactérias são “inativadas” e, portanto, não há produção maior de substâncias ácidas. Poderíamos então dizer que fazer massas doces com levain consiste essencialmente em prevalecer a ação das leveduras, resultado da alta concentração de açúcar, durante o processo fermentativo.
Estudos genéticos demonstraram que massas fermentadas usadas em panetones eram compostas por uma população bacteriana massivamente dominada por Lactobacillus sanfranciscensis (mais de 99% do total de bactérias presentes), enquanto a de leveduras por Kazachstania candida humilis (93 a 99,9% do total de leveduras presentes).
Esta população dominante é de fato complementada por mais de uma centena de outras cepas de bactérias, em grande parte uma minoria, uma vez que todas elas geralmente constituem menos de 1% das bactérias no levain. Entre as bactérias minoritárias, algumas desempenham um papel importante no decorrer do processo fermentativo, pois são produtoras de dextranas (guarde esse nome), em particular dos gêneros Weissella, Leuconostoc e Streptococcus.
Ou seja, a bactéria Lactobacillus sanfranciscensis, que reina nos levains, é então inibida quando o açúcar é adicionado em grandes doses à massa. Essa inibição do Lactobacillus sanfranciscensis permite que outras cepas de bactérias, em grande parte minoritárias no meio, se desenvolvam. Apesar do seu forte crescimento, a densidade bacteriana total se mantém baixa, em comparação com a outras massas fermentadas não ricas em açúcar, o que explica em grande parte a baixíssima acidificação dos panetones e viennoiseries. Como consequência, se espera que essas cepas minoritárias produzam dextranas, que é um ponto-chave para a consistência e preservação dos produtos. As dextranas contribuem para a melhora do volume da massa final (+30%), resultado de uma maior ação das leveduras, além de contribuir para uma maior umidade, melhor conservação e baixíssima acidez (imperceptível) do produto final.