Massas doces de fermentação natural
Massas doces de fermentação natural

Massas doces de fermentação natural

Conheça as particularidades das viennoiserie (croissants, brioches, panetones e colombas)

por Claudia Rezende

Se você já comeu um pão de fermentação natural, deve ter sentido aquele sabor azedinho que vem do levain, o nome em francês dado ao fermento natural. Mas, por que o panetone, a colomba pascal, os croissants, as viennoiseries em geral, que também utilizam o levain, não apresentam esse gosto particular? Descobri recentemente a resposta lendo o livro de Thomas Teffri-Chambelland, “Panetttone et Viennoiserie au levain” da editora Bread Edition. Ele nos explica o porquê do panetone e das viennoiseries (massas doces em geral) não apresentarem o tão característico sabor azedinho, mesmo sendo feitos com levain.

levain (fermento natural) é resultado da ação biológica de leveduras e bactérias lácticas, contidas naturalmente nas farinhas, em contato com a água, após um tempo e temperatura adequados. Essa população de microrganismos varia de acordo com o tipo de farinha e o ambiente em que o levain é criado.

Os fermentos naturais usados para as massas doces se comportam da mesma forma que os dos pães de fermentação natural, isto é, durante as fases em que os alimentamos (os chamados refrescos), as bactérias e leveduras evoluem da mesma maneira. Entretanto, durante a produção dessas massas, que são sempre muito ricas em açúcar, as bactérias são “inativadas” e, portanto, não há produção maior de substâncias ácidas. Poderíamos então dizer que fazer massas doces com levain consiste essencialmente em prevalecer a ação das leveduras, resultado da alta concentração de açúcar, durante o processo fermentativo.

Estudos genéticos demonstraram que massas fermentadas usadas em panetones eram compostas por uma população bacteriana massivamente dominada por Lactobacillus sanfranciscensis (mais de 99% do total de bactérias presentes), enquanto a de leveduras por Kazachstania candida humilis (93 a 99,9% do total de leveduras presentes).

Esta população dominante é de fato complementada por mais de uma centena de outras cepas de bactérias, em grande parte uma minoria, uma vez que todas elas geralmente constituem menos de 1% das bactérias no levain. Entre as bactérias minoritárias, algumas desempenham um papel importante no decorrer do processo fermentativo, pois são produtoras de dextranas (guarde esse nome), em particular dos gêneros Weissella, Leuconostoc e Streptococcus.

Ou seja, a bactéria Lactobacillus sanfranciscensis, que reina nos levains, é então inibida quando o açúcar é adicionado em grandes doses à massa. Essa inibição do Lactobacillus sanfranciscensis permite que outras cepas de bactérias, em grande parte minoritárias no meio, se desenvolvam. Apesar do seu forte crescimento, a densidade bacteriana total se mantém baixa, em comparação com a outras massas fermentadas não ricas em açúcar, o que explica em grande parte a baixíssima acidificação dos panetones e viennoiseries. Como consequência, se espera que essas cepas minoritárias produzam dextranas, que é um ponto-chave para a consistência e preservação dos produtos. As dextranas contribuem para a melhora do volume da massa final (+30%), resultado de uma maior ação das leveduras, além de contribuir para uma maior umidade, melhor conservação e baixíssima acidez (imperceptível) do produto final.

Diferenças no processo

Essas diferenças envolvendo processo e cepas também podem explicar as disparidades observadas na conservação dos diversos produtos finalizados, quando feitos com levain.

Todas as vienoisseries contendo levain têm em comum o alto teor de açúcar – geralmente entre 11% e 13% do peso da massa (excluindo as inclusões: frutas cristalizadas, uvas, chocolate). A maioria delas também são ricas em gordura presentes sobretudo nas gemas. Em temperaturas de 24 a 30°C, dependendo da receita, os tempos de fermentação para as primeiras massas são próximos de 12 a 16 horas, o que é particularmente longo em comparação com as fermentações de massa de pão. Ainda mais surpreendente que a lentidão, a ausência de acidificação da massa é um ponto importante, pois demonstra a inatividade fermentativa do Lactobacillus sanfranciscensis. O pH da primeira massa evolui de 5,5 geralmente no final da mistura, para 5,35 no final do crescimento, após 12 horas. A segunda massa evolui da mesma forma, de pH 5,5 (aproximadamente no final da mistura) para 5,35 ao assamento, 6 a 8 horas depois.

Interessante é o paralelo entre a produção de panetone e a de dextranas em laboratório, a qual é preciso níveis elevados de açúcar, superiores a 10% nos meios de cultura, sendo o nível ótimo em torno de 15%.  Essa produção também demonstra que o melhor açúcar processado é a sacarose e que as temperaturas mais favoráveis à produção de dextranas estão entre 26 e 30°C.  Finalmente a produção é sempre lenta e muitas vezes requer um período de 15 a 24 horas

É impressionante ver como os processos tradicionais de produção de panetones estão tecnicamente próximos desses padrões.  A lenta produção de dextranas é um ponto chave na compreensão de certas receitas.  Leva tempo para as bactérias sintetizarem dextranas na massa final.  E quanto mais tempo damos a elas, maior o teor de dextranas. É por isso que um panetone de qualidade deve demorar mais para fermentar (costuma-se fazer com 2 impastos, pelo menos), sendo mais de 30 horas.

Mas, se queremos uma produção natural de dextranas, devemos tomar cuidado com a quantidade de açúcar (que inibe a atividade de alguns microorganismos) na primeira massa/impasto, sob pena de inibir a atividade biológica, o que teria como consequência que a massa não cresceria por um lado e também não produziria dextrana. É por isso que o açúcar deve ser porcionado e  adicionado em etapas durante a produção de panetone

Pela primeira vez, a insistência dos padeiros na duração total do processo não é apenas um elemento de marketing. E por isso que os artesãos italianos muitas vezes colocam a duração média das fermentações – até 30 horas em alguns casos – como critério de qualidade.

 

foto capa: Michele Minerbo

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