O poder transformador da confeitaria
O poder transformador da confeitaria

O poder transformador da confeitaria

A produção de doces é um aliado histórico para o empoderamento feminino. Mas se antes ela era uma forma de ajudar na renda doméstica, hoje também se tornou opção consciente em busca da realização pessoal

por Juliana Bianchi

Porta de entrada para a maioria das pessoas na cozinha – atire uma pedra quem aprendeu a fritar ovo antes de saber como fazer brigadeiro ou bolo –, a confeitaria vem sendo usada há séculos como meio de empoderamento financeiro, sobretudo entre as mulheres. Sem precisar sair de casa, foram descobrindo que a vizinha pagaria para ter seu bolo molhadinho, o mercado venderia os biscoitos de araruta cuja receita de família você guarda a sete chaves, e outras mães encomendariam com gosto os docinhos que você modela num piscar de olhos.

De acordo com o Sebrae, no Brasil, 80% dos empreendedores na área da confeitaria são do sexo feminino. A maioria mães solteiras ou casadas, que precisam completar a renda familiar. Um perfil que se repete há gerações. “Minha avó vendia doces para ajudar em casa, uma tia, hoje com 70 anos, ainda se sustenta fazendo bolos, e agora sou eu que estou indo pelo mesmo caminho”, diz Pamela Cristina Vicente Faustino, que depois de flertar por muito tempo com o assunto, decidiu, em 2020, abrir a Pam Cakes, em Campinas (SP). “Bater bolo sempre foi válvula de escape para os dias mais tensos no trabalho como assistente social. Precisou vir a pandemia para eu entrar em contato comigo mesma e rever o que faz sentido para minha vida”, diz ela.

Isolada em casa e com mais tempo livre, Pamela se jogou em cursos online e leituras sobre o tema. “Comprei o livro da Joyce Galvão – “A Química dos Bolos” –, fiz três cursos online da Bruna Rebelo, um da Docis sobre brigadeiros, um de técnicas de ganache, outro sobre a profissão de confeiteira, e, depois que resolvi que ia mesmo entrar de cabeça nisso, comprei um curso de marketing digital com a Valeska Bruzzi e o de empreendedorismo da FoodLab. Estou investindo em mim para fazer uma transição de carreira”, conta.

Durante a pandemia, a assistente social Pamela Cristina Vicente Faustino descobriu seu propósito entre os bolos e já pensa e viver da confeitaria. Foto: Divulgação Pam Cakes

O roteiro transformador ganhou força no último ano, principalmente como reflexo das reduções e perdas salariais decorrentes da crise econômica desencadeada pela Covid-19, mas não é novidade no setor. Independente do fator motivante.

Ganhadora de uma das edições do programa “Que Seja Doce” (GNT), de 2017, Tassiana Oliveira, de Volta Redonda (RJ) também passou por isso, em 2015. “Os doces sempre fizeram parte da minha história, mas foi quando tive dificuldade para pagar a faculdade que os cookies, brigadeiros e bolos entraram de vez na minha vida. Quando vi, tinha abandonado a escola e a carreira como técnica em enfermagem para ficar dentro da cozinha”, contou ela, em uma live promovida pelo @Sobremesah.

Do emprego em uma confeitaria, para criar sua própria marca, a Doces da Tassi, foi um pulo. E o sucesso, crescendo ano a ano. A produção ainda está concentrada em casa, mas os estudos para abrir um ateliê próprio já começou e, neste ano, o trabalho de atendimento às clientes ganhou reforço. “Todo dia sinto o peso de ter de cuidar sozinha da produção, da lavagem da louça, das compras, do financeiro, da produção de fotos para as redes sociais. Não é fácil”, diz. O desabafo reflete o dia a dia da maior parte das empreendedoras do setor, que por muitos anos, mesmo quando devidamente regularizadas, precisam manter a rotina do “eupreendedorismo”, para ser saudável.

Para Cristiane Garcia, a confeitaria veio como forma de terapia. Hoje sonha viver apenas dos doces modelados que aprendeu fazendo para a neta. Foto: Arquivo pessoal Cristiane Garcia

Realização pessoal

Se no passado a produção caseira de doces era vista apenas como solução viável para sustentar ou ajudar financeiramente a família sem abandonar a rotina dos filhos, hoje também surge como opção consciente para unir realização pessoal e profissional. Segundo dados do Sebrae, cerca de 40% dos novos empreendedores na área da confeitaria têm a paixão como principal motivação. “O que é muito bom, tendo em vista a grande dedicação que a profissão exige, com longas jornadas e especializações”, avalia Helena Andrade, gestora de projetos de alimentação fora do lar, da instituição.

“A confeitaria veio como terapia, em uma época que me vi em depressão. Me apaixonei por ela fazendo, todo mês, uma coisinha diferente para o mesversário da minha neta. Hoje, meu sonho é viver só disso”, afirma Cristiane Garcia, que também tateia uma transição de carreira. Maître de restaurante em Niterói (RJ), ela passa por cima de todas as barreiras para manter firme seu propósito.

“Trabalho das 10h30 às 22 h, às vezes até 1 h da manhã, e acabo tendo de fazer meus doces de madrugada. Dia sim, dia não, nem durmo. É uma carga muito grande, mas não desisto”, garante ela, que vem se especializando em doces decorados em cursos feitos principalmente pela Internet, com profissionais como Nani Magalhães, Aline Cândido, Doce Regalia. “Planejo ter um ateliê, mas por enquanto trabalho em casa mesmo. Tem dias que ficam doces em cima da cama do meu filho, no meu quarto, no sofá da sala. É uma loucura.”

Case de sucesso, a advogada Michele Kallas criou em apenas três anos a marca de chocolates Mica Crafted Chocolates, que este ano deve ganhar loja. Fotos: Reprodução Instagram

O boca a boca entre amigos e colegas de trabalho ainda é o principal meio de divulgação de Cristiane. Mas a estreia nas redes sociais já está nos planos. Afinal, mora ali, especialmente no imagético Instagram umas das ferramentas mais poderosas para alavancar vendas nos dias de hoje. Que o digam a boleira Bruna Rebelo, da CakeLover, que viu seus cursos venderem feito água durante a pandemia graças a uma agressiva ação de marketing digital, e da chocolatier Michelle Kallas, que também apostou na comunicação maciça pelo Instagram (além de um projeto gráfico único) para, em apenas três anos, sair do anonimato como advogada para a abertura da primeira loja da Mica Crafted Chocolates programada para 2021.

No último ano, um novo público também se voltou ao setor, o dos jovens de 18 e 19 anos, que não encontram colocação no mercado de trabalho. Atentos às redes sociais eles começam a empreender já lançando um novo olhar às habilidades doceiras da família ou apostando em tendências de mercado. Caso do brownie, “que hoje têm uma fatia interessante no mercado”, diz a consultora Helena. Com acesso a mais conteúdo de qualidade e referências (nacionais e internacionais) do que as gerações anteriores, graças à Internet, essa nova leva de confeiteiros pode trazer um impacto positivo ao setor, elevando a necessidade de profissionalização e estudo constante para se diferenciar no mercado.

Acostumados a mudanças constantes, eles trazem a agilidade e a facilidade de aprendizado típicas da juventude no DNA, mas a artesanalidade e a carga emocional ligadas secularmente à doçaria nunca serão abandonadas ou desvalorizadas. O que volta a colocar confeiteiras de diferentes gerações ou estruturas em pé de igualdade na busca por uma fatia do mercado. O esforço, o conhecimento, o olhar atento para identificar oportunidades e a coragem para abraçá-las é que serão fatores decisivos para prosperar nesse mar de açúcar, onde não faltam histórias de sucesso.

 

 

 

foto capa: De auxílio para pagar os estudos, os doces viraram a principal atividade na vida de Tassiana Oliveira. Crédito: Divulgação Doces da Tassi

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