


Daqui da Bahia
O que a Bahia tem? Tem história e muita doçura!
por Alice Brandão
Nas ruas de Salvador tem vendedor de picolé em tudo que é canto. Todo baleiro vende nego-bom e quebra-queixo. E toda baiana de acarajé vende cocada. Já nos restaurantes e confeitarias, quem brilha mesmo são os doces mais elaborados com influência e técnicas francesas. E eu, que sou confeiteira, curiosa e grande fã da gastronomia e cultura baiana, gosto de conhecer e provar de tudo. Preparei um roteiro com meus doces e sobremesas preferidas (ou pelo menos algumas delas) dessa cidade!
O doce faz parte da história e da cultura baiana desde a sua concepção. Gilbeto Freyre disse que o açúcar foi determinante na formação da identidade brasileira. E, na época escravocrata, as condições do Nordeste foram as mais favoráveis para ser consolidada a Indústria do açúcar. “O brasil era o açúcar e o açúcar era o negro”.
É por isso que ele diz que sem o açúcar não se compreende o homem do Nordeste. Os doces vieram por consequência e a doçaria brasileira, então, se inicia aqui pelas mãos femininas. Aqui na Bahia, o açúcar logo foi combinado com os que já eram os protagonistas: a mandioca, o coco e as frutas locais. O resultado são doces como o bolinho de estudante, a cocada e o nego-bom.
DOCES DE TABULEIRO
“…Doces que tem história, que tem passado. Numa velha receita de doce ou de bolo há uma vida, uma constância, uma capacidade de vir vencendo o tempo sem vir transgredindo com as modas.” (Gilberto Freyre)
O doce saiu das cozinhas e ganhou as ruas através de negras doceiras que carregavam seus tabuleiros para vender seus quitutes. Ora corriam as ruas, ora montavam seu ponto fixo em alguma esquina. Estes doces de tabuleiro são símbolos de resistência e patrimônio local, mas infelizmente, estão cada vez mais escassos e esquecidos.
São o que não carecem de confeitos, enfeites e recheios. A beleza e sabor certamente estão na sua simplicidade. São aqueles que emocionam e me transportam pra infância e me lembra das minhas férias no interior… afeto que todo bom doce desperta.
A cultura está nas ruas, nas esquinas e nos tabuleiros, e a comida ajuda a contar nossa história. Por aqui o leite ninho, nutella e os ultraprocessados (assim como em qualquer cidade) ocupam as prateleiras colonizadas dos supermercados e caíram no gosto popular. Mas na essência da cidade, no centro e nas ruas, quem brilha mesmo é a simplicidade dos ingredientes locais.


TABOCA
“Tinguele-gue-tinguele” o triângulo ritmado acompanhado de uma cantiga anuncia que o vendedor de taboca está passando na rua. Há quem conheça como biju, ou cavaco chinês. É uma espécie de biscoito, enrolado em formato cilíndrico. Desmancha na boca de tão fino. Delicado, rústico e simples, como esses doces precisam ser. O endereço não é fixo, geralmente estão pelo centro de Salvador, quem tiver a oportunidade de passar por algum deles, aproveite
BOLINHO DE ESTUDANTE
Pode perguntar, por aqui todo mundo tem uma baiana de acarajé preferida. No tabuleiro, o acarajé, camarão, vatapá e a pimenta dividem espaço com a cocada e o bolinho de estudante (ou “punhetinha” – feito à punho, calma rs). A cocada já é uma velha conhecida do brasileiro, mas o bolinho ainda não tem o destaque que merece. É feito de tapioca, coco e açúcar, e depois de frito, é passado no açúcar e canela. Possui textura pegajosa, característica da goma. Como boa soteropolitana, tenho também os meus favoritos: Dária e Laura na Pituba, Cira ou Regina no Rio Vermelho. Podem ir em qualquer uma sem medo, e quanto mais fresco e quentinho, melhor.
BORA TESTAR
QUE TAL TESTAR A RECEITA DE BOLINHO DE ESTUDANTE DO SOBREMESAH? CLIQUE AQUI !
QUEBRA QUEIXO
É coco e açúcar, beeem caramelizado e puxento. Cortado em pequenos cubos e envoltos no papel manteiga. A assadeira com o doce de corte fica em carrinhos, como os de pipoca, no centro da cidade. Cada vez mais raros, carregados de boas memórias e grudes nos dentes.


CUSCUZ DE TAPIOCA
Cuscuz de tapioca é tapioca granulada, leite de coco e açúcar. Não vai ao fogo nem ao forno, a tapioca é hidratada no leite e ao endurecer, toma forma. É finalizado com uma generosa camada de leite condensado e por cima polvilhado coco fresco ralado. O preferido da minha irmã ❤️
.
BORA TESTAR
QUE TAL PREPARAR UM CUSCUZ PARA SE DELICIAR (aka BOLO PODRE – MAS O QUE É O BRASIL SENÃO UMA FUSÃO DE CULTURAS?
CLIQUE AQUI!



SORVETES
Um bom gelato de pistache tem o seu valor, eu sei, também é o meu preferido. Mas abra mão dos sorvetes a base de leite e aposte nos de fruta quando for conhecer essas sorveterias soteropolitanas.
Ir ao bairro da Ribeira, e não ir à sorveteria da Ribeira é um erro. E, ao andar pelas ruas do pelourinho, não deixe de conhecer a sorveteria A Cubana e a Le glacier laporte. Nelas, quem brilha são os sorvetes de fruta locais. Cajá, umbu, pitanga, coco verde, cupuaçu, mangaba… Às vezes eu corro o risco e aposto em um sabor diferente sem nem provar antes. Na maioria das vezes eu me arrependo de não ter pego o melhor de todos: coco verde. Mas também foi assim que descobri e me apaixonei pelo de pitanga… Na dúvida, prove uma colherzinha de cada antes de escolher sua bola.
Mas se ainda assim optar pelo gelato de pistache, conheça o do restaurante Isola cucina, no Rio Vermelho. Além de ter a melhor pizza da cidade, os gelatos são feitos na casa por italianos tradicionais, da melhor qualidade.
Capelinha é tradição nas praias daqui. A dica é ir cedinho pro porto da Barra, comer um queijinho coalho assado na brasa (com melaço e orégano) e esperar algum vendedor de capelinha passar. Cajá e amendoim são meus favoritos.





COMPLEXIDADE
A tradição anda junto também com a modernização. A manteiga, o creme de leite fresco e as técnicas francesas tem ganhado espaço na cidade. Cada vez mais, a confeitaria vem sendo valorizada e estimulada por chefs de restaurantes e lojas especializadas. Temos lindos exemplos de respeito ao ingrediente e às tradições locais com ousadia, texturas e sabores diferentes em uma só sobremesa.
Na busca por tais elementos, não deixe de conhecer a Le Lapin e o restaurante Manga.
A Le Lapin é uma confeitaria sensacional localizada no bairro da Pituba. Lá encontramos tortas, doces e salgados deliciosos. Destaque para o cookie tradicional que leva especiarias, chocolate, amendoim e flor de sal e para a cheescake com curd de maracujá e caramelo de chocolate.
Na cidade, em toda confeitaria e cafeteria tem um doce chamado “torta búlgara”. De búlgara não tem nada, é soteropolitana e até hoje eu só vi aqui. Denso, bem doce e chocolatudo. A textura lembra um fudge. Pra equilibrar o dulçor excessivo, tradicionalmente é servido com creme de leite. Como se faz com pêssegos em calda. Na Le Lapin, tem uma versão de torta búlgara diferente e igualmente deliciosa. Esta, cheia de texturas e equilíbrio, é feita com creme de avelã, chocolate, ganache montada e base de biscoito.
Outro patrimônio soteropolitano é o pãozinho delícia, pão suuuper macio e aerado. Tradicionalmente recheado com um creme de queijo e leva uma chuva de queijo parmesão ralado por cima. Tem em toda festa de aniversário, e até na ceia de natal. O pãozinho delícia da Le Lapin é imperdível também.
O Manga é daqueles trabalhos que emocionam. Vai na contramão da simplicidade. É complexo em sabores e texturas, riquíssimo em detalhes. Surpreendente. A chef da confeitaria é a alemã Kafe Bassi, extremamente atenciosa, doce e competente e é quem elabora as sobremesas empratadas mais lindas que eu já vi.
Seus doces misturam técnicas francesas, lembranças da sua terra natal e ingredientes locais. Dessa fusão sai o picolé de caju, moldado no formato do fruto: Casquinha de chocolate colorida com urucum, recheado com sorvete de castanha de caju e compota da fruta. Genial. Tenho certeza que a frase que Kafe mais escuta é “isso aqui é uma obra de arte”. E é mesmo!
As sobremesas mudam de tempos em tempos, depende de qual fruta está na época. Quando fui tinha com acerola, siriguela, cacau e mangaba. A minha preferida? De acerola: Sorbet de acerola, perfait de castanha de caju e do pará, massa folhada e calda de goiaba. De chorar!
A sobremesa cacau é outro show à parte. Chega na mesa o seu próprio fruto e dentro, Mousse de cacau, café, gel de mel de cacau, nibs e chocolate branco. Pasmem, moldado no formato das sementes e polpa.
Eu não abro mão de um docinho pós almoço, e como vocês viram, boas opções não faltam por aqui. Seja desembrulhando o papel manteiga de um quebra-queixo ou se deslumbrando com uma sobremesa impecável de Kafe.
@ALICE.VISITA
Acompanhe o trabalho da Alice e todas as delícias que ela descobre pela Bahia no seu instagram @alice.visita e também no TikTok.
PARA SONHAR COM O PRÓXIMO DESTINO

