


“Parem e reflitam”, disse a Joyce
Valorizar o que nossa comunidade produz, a cultura local, e ao mesmo tempo diminuir nosso impacto na terra não é motivo suficiente para mudarmos nossas cozinhas? Nossos insumos? Nossos preparos?
por Arthur R. Lazzarotto
Abro o Instagram:
O chef Massimo Bottura acaba de receber sua quarta estrela Michelin. Sim, existe uma quarta agora, a estrela da sustentabilidade. Ele agradece a sua equipe e ao guia, por reconhecer a importância da sustentabilidade.
Abro novamente o aplicativo.
A Joyce postou sete marcas que produzem e vendem chocolate brasileiro em vários estilos, preços e sabores. Todos dão seu jeitinho para tornar seus produtos mais locais, sazonais e brasileiros. Penso: preciso de um chocolate agora!
Volto para o Instagram.
O Slow Food Brasil está realizando o evento Terra Madre com diversos/as painelistas brasileiros/as engajados em achar soluções diversas para nosso país.
Navego mais um pouco…
Um restaurante que se vangloria de seus diversos produtos importados.
“Paro e reflito”
Relembro meu primeiro texto aqui no Sobremesah, onde foco como não é simples tornar uma dieta sustentável mas, com um pouco de esforço e criatividade podemos diminuir muito nosso impacto no mundo. Uma das pesquisas citadas alertava: os aspargos com frete aéreo refrigerado eram mais poluentes do que comer uma proteína animal produzida localmente. Os dois são vendidos nos mercados britânicos.
Penso nas discussões geradas no instagram pelo meu último texto do chocolate (veja aqui) e me pergunto: faz sentido, no mundo atual, importar ingredientes de outro continente quando a alternativa está aqui ao lado? O custo ecológico já não justifica ser uma última opção da lista de alternativas?
Marcas pequenas e grandes, nacionais e internacionais, já possuem linhas dos mais diversos produtos com cadeias de produção bem menores e eficientes. Se italianos, nórdicos, espanhóis, entre tantos outros se vangloriam de seus produtos cultivados ou produzidos localmente, por que nós, brasileiros, ainda precisamos usar do estrangeiro para vender nossos produtos? Brigadeiro não é o doce brasileiro?
Obviamente não estou pregando o fim do mundo globalizado. O Brasil possui um vasto território de culinárias, preparos diversos, necessidades diferentes e fronteiras com diversos países. Para alguns produtos dependemos de nossos vizinhos, outros viajam direto do oriente… O ponto é: valorizar o que nossa comunidade produz, a cultura local, e ao mesmo tempo diminuir nosso impacto na terra não é motivo suficiente para mudarmos nossas cozinhas? Nossos insumos? Nossos preparos?
As cozinhas que “ditam e guiam” o mundo gastronômico globalmente já seguem esta premissa. Se elas já convenceram seu público, podemos convencer o nosso também. O manifesto da Nova Cozinha Nórdica resume sua concepção em sazonalidade, ética, saúde, sustentabilidade, qualidade e pureza. Parecem preceitos possíveis para se seguir não é mesmo? O Slow Food (globalmente) e o terroir (do qual os franceses se orgulham tanto) podem nos inspirar entre outros vários movimentos. O Brasil está cheio deles, que tal uma espiadinha no mais próximo de você!?
Talvez esteja na hora de termos o nosso próprio manifesto. Não necessariamente uma lista comum para todos, mas uma ação comum. Precisamos somar reflexões e guiar nossa gastronomia brasileira. Essa gastronomia dos vários “brasis” e de culturas diversas que as pessoas desejam experimentar. A gastronomia de faculdades e restaurantes, dos indígenas e dos quilombolas, dos velhos e novos imigrantes, a do conhecimento empírico e do formal. Sim, creio que já temos nela os ingredientes que nos levem a um mundo mais sustentável social e ecologicamente.
fotos: Kirill Vasilev – Unsplash
PENSE, REFLITA

