Clientes ou Likes, quem paga a conta do restaurante?
Clientes ou Likes, quem paga a conta do restaurante?

Clientes ou Likes, quem paga a conta do restaurante?

Você cozinha para os seus clientes ou pelos likes?

por Arthur R. Lazzarotto

Não somos máquinas…

Com a disseminação das redes sociais e livros de grandes restaurantes e confeitarias, o mundo parece perfeito. Todas essas fontes são consideradas inspirações e exemplos. Nem pensamos que horas de trabalho foram gastas para aquela foto perfeita, ou que esses estabelecimentos também têm seus dias ruins. A gastronomia às vezes parece mais máquina do que humana. Em alguns momentos esquecemos que existem outros modos de fazer funcionar as práticas de uma cozinha. Eu me lembro do discurso de Chaplin em o Grande Ditador no qual ele apela para não sermos “humanos-máquinas” com corações mecânicos. Já diria ele logo depois: nós pensamos demais e sentimos de menos.

Refletindo sobre o assunto, lembrei de um restaurante onde as “leis gastronômicas” não se aplicam. Como naqueles casos da física quando cientistas se deparam com uma anomalia a qual parece não respeitar as leis estabelecidas. Em Porto Alegre (RS) existe um lugar famoso chamado Lancheria do Parque. Ela desafia a lógica de qualquer cozinheiro/a tradicional habituado/a ao sistema de restaurantes e comandas. Neste estabelecimento de quase 40 anos nada do que se aprende nos cursos de gastronomia e restaurantes parece fazer sentido. É um pequeno corredor longo onde o lado direito é ocupado pela cozinha aberta em formato de bar e o esquerdo pelas mesas. Uma ida funciona assim:

Você entra no local e escolhe qualquer mesa para sentar. Um garçom se aproxima, anota o pedido e deixa a comanda na mesa sem pegar cópia. Em um único movimento ele se vira e, sem sair do lugar, grita:

“SAI PASTEL, LARANJA (suco), XIS SALADA E DOIS CAFÉS!”

Pronto. Ninguém anota nada, nenhuma comanda confirma na cozinha, não existe ninguém no passe ou sistema digital. O garçom segue para a próxima mesa ou entrega algum pedido. Em poucos minutos seu lanche está na mesa. Não existe nenhum empratamento ou técnica além do que se espera de uma lancheria de bairro. Parece mentira, não?

Acredito que acabamos exigindo demais de nós mesmos. Tendemos a nos inspirar em um modelo único extremamente restrito. Modelos muitas vezes pouco replicáveis ou financeiramente inviáveis. Variáveis muito diferentes ou certo grau de espontaneidade parecem ser excluídas. Obviamente tenho em mente que medidas de padronização influenciam custos e diminuem dores de cabeça, mas até onde estamos indo para tornar cortes mais precisos, camadas mais uniformes de uma torta e processos “perfeitos” de funcionamento? Não estaríamos nos consumindo nessa busca exaustiva? Os insumos de nossas receitas não são padronizados como a indústria quer que acreditemos. Com sustentabilidade sendo cada vez mais importante, não deveríamos simplificar processos e otimizar recursos? Quantos recursos gastamos para atingir tamanha precisão?

Às vezes penso que esquecemos o que importa: os sabores, o acolhimento e a experiência. Talvez esse seja o ponto de tudo isso. O importante para o consumidor é a experiência e não a simetria e a complexidade dos processos. Somos do ramo da hospitalidade e não da engenharia. É possível fazer preparos atraentes com uso de réguas ou total assimetria. No entanto, tenho certeza que muitos se perdem na exigência de acertar os milímetros daquele preparo. E essa situação só piora com as redes sociais. Alguns perfis passam o dia compartilhando cozinheiros “perfeitos” com preparos absurdamente “perfeitos”.

Não somos máquinas, somos humanos!! Lembre-se que a missão do nosso ramo é entregar um bom momento e fazer aquela pessoa voltar. Não sejamos tão duros e perfeccionistas… Independentemente da estética que você escolher para seus preparos ou o número de processos que seu estabelecimento possuir, se pergunte: estou fazendo isso por meus clientes ou pelas fotos?

 

fotos:

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