Filho de peixe, macaron é
Filho de peixe, macaron é

Filho de peixe, macaron é

Thomas Bassoleil, filho do chef francês Emmanuel Bassoleil, desponta na França na equipe de criação do mestre Pierre Hermé  

por Juliana Bianchi

Filho mais novo do chef Emmanuel Bassoleil, responsável pela operação gastronômica do hotel Unique, em São Paulo, Thomas Pereira Leite Bassoleil cresceu rodeado de panelas e sabores. Comemorou aniversários na cozinha do finado restaurante Roanne, bateu bolos com as avós “confeiteiras de mão cheia” e aprendeu desde cedo a diferenciar uma sablée de uma tuile bem feitas. Pensou em ser veterinário, cursou Rádio e TV, mas, sem pressão – ele garante –, acabou abraçando o destino que já lhe estava traçado na cozinha. Mas, diferentemente do pai e do irmão mais velho, abriu mão das receitas salgadas para abotoar sua dolmã entre os ovos e açúcares da confeitaria.

Aos 29 anos, formado pela Cordon Bleu Paris, onde vive há 10 anos, ele divide hoje as bancadas do ateliê de pesquisa e desenvolvimento do mestre Pierre Hermé, ao lado de apenas outros 3 pâtissiers. “É um mar de possibilidades incríveis”, diz ele, que assim pode ter acesso aos melhores ingredientes do mundo para criar.

Em uma entrevista longa, por telefone, ele contou ao Sobremesah como chegou onde está, como é trabalhar em uma das mais respeitadas marcas da confeitaria mundial e como vê o desenvolvimento do mercado.

Como você foi parar na cozinha de Pierre Hermé? Ser filho de Emmanuel Bassoleil ajudou?
Thomas Bassoleil: Ele me ajudou a ir para a Cordon Bleu, mas ninguém sabia quem era meu pai em Paris. O que construí na França foi mérito meu. Tive o privilégio de conhecer muitos bons restaurantes na infância e conhecer os bastidores da cozinha em passagens experimentais pelo hotel Unique, mas aprendi uma coisa essencial com ele, que é preciso começar do começo. As relações que você constrói na escola e nos estágios e a dedicação que mostra no trabalho, isso sim conta. Você não sai sabendo tudo. É preciso muito treino para evoluir. A primeira vez que ouvi falar em Pierre Hermé foi pela minha mãe, que conheceu os macarons dele em 2000 ou 2001. Sempre foi uma referência por ser um pâtissier respeitado. Por sorte, logo que me formei, em 2013, consegui uma indicação de estágio lá.

 

Ter passaporte francês ajudou nesse crescimento?
TB: Não vou negar que dominar a língua e ter o passaporte ajudou, sim. Foi uma pressão a menos na formação. Mas minha nacionalidade é brasileira e sou reconhecido por isso. Nós temos mais facilidade em nos comunicarmos e nos interessarmos pelo outro. Isso facilita muito na cozinha onde você acaba trabalhando com pessoas de todo o mundo.

 

E desde então está na empresa?
TB: Fiquei três meses fazendo um pouco de tudo, de produção e acabamento a limpeza e arrumação da câmara fria. Lá são três equipes independentes, com horários diferentes, inclusive: produção, acabamento e viennoiseries. Mas quando acabou o período, apesar de ter convite para ficar, preferi rodar um pouco para ver o que realmente queria. Trabalhei com carnes e garde manger no Apicius (restaurante então com duas estrelas do guia Michelin) e no (também estrelado) Pur’, do chef Jean-François Rouquette, no hotel Park Hyatt, onde pude conhecer como funciona um hotel palácio. A diferença foi chocante! Depois, estagiei em uma padaria perto de casa e trabalhei como freelancer em eventos do hotel Sofitel e para o chef Yannick Alléno. Só em 2015 voltei para o Hermé. Chegaram a me propor ser responsável pelo acabamento, mas eu queria estar na produção. Lembro de, num começo de ano, assar mais de 500 galettes sozinho entre as 22h e as 6h. Foi uma loucura. Em 2017, quando tinha planos para mudar para a Itália, me convidaram para trabalhar na equipe de desenvolvimento.

 

Como é trabalhar nesse departamento?
TB: É outra realidade. É pesquisa, criação, não ter de trabalhar de madrugada e ter muito mais responsabilidade. Agora estou na base da empresa que faz o famoso macaron que minha mãe falava. Tenho poder de decisão e uma troca muito boa com o Hermé, que não fica no cotidiano das outras áreas. Lá a gente desenvolve as receitas para todos os restaurantes, cafés e lojas da rede. O que me abriu oportunidades incríveis de conhecer o mundo também. (Thomas já esteve no Japão, Marrocos, China e Índia para participar de abertura de lojas e eventos da empresa) Além disso, temos acesso a uma variedade muito grande de ingredientes para testar os melhores usos e combinações. São pastas puras do Piemonte, com diferentes torrefações, farinhas de diferentes origens e moagens, meles vindos direto do produtor.

Entre a ideia e o desenvolvimento, quanto tempo leva para uma receita ser aprovada?
TB: Varia muito. Já fiz um mesmo doce seis, sete vezes para acertar a textura, a quantidade de açúcar, mas o que vai levar mais tempo é pensar o acabamento e como ele será produzido em escala. Porque uma coisa é fazer 2 kg de mousse de zabaione, por exemplo, outra é ter de misturar 30 kg desse creme na mão. O processo de criação começa sempre com uma proposta que, se aprovada, segue para testes de produção e validade, degustações e aprovação final. Um novo macaron pode nascer em apenas dois dias, outros podem levar um ano.

 

Você disse que o acabamento é uma das etapas que demandam maior tempo de trabalho. A apresentação do doce é hoje supervalorizada?
TB: As pessoas consomem muito o visual. Tem muita gente que idolatra um doce lindo, que explode na tela do celular, sem nunca ter provado, que pode decepcionar na boca. Ele pode até ter um trabalho técnico impecável, mas, às vezes, um doce mais simples e nem tão bonito é muito mais saboroso. O que é confeitaria afinal? Um monte de visualização na foto? As redes sociais acabam “educando” com um visual idealizado. Não é o que gosto. Tem que saber filtrar. Já vi gente entrando em confeitarias só pra tirar foto e não provar nada. É muito louco.

 

Como vê a confeitaria brasileira? Como compararia com o que vê na França?
TB: A cultura existente em volta da confeitaria na França é muito grande, histórica, pulsante. Cada região tem as suas receitas, seus ingredientes e eles têm muito orgulho disso. Em qualquer mercado você encontra uma grande variedade de farinhas, pectinas, cremes de avelã e outros ingredientes de qualidade. Isso reflete na confeitaria. No Brasil existem muitas frutas e castanhas locais, mas é difícil ter acesso a eles regularmente em quantidade e qualidade. O público ainda precisa entender o que é uma confeitaria refinada. O que bomba são doces cheios de calda, carregados de brigadeiro, de açúcar. Não precisa desse excesso. O simples às vezes é uma delícia. Ainda temos de educar esse paladar.

Como você imagina que possamos fazer isso?
TB: Valorizar os chefs confeiteiros que estão no Brasil é o primeiro passo. Os restaurantes também podem contribuir muito para essa evolução ao dar mais atenção à sobremesa. Não vejo o brasileiro indo buscar sua tortinha na confeitaria. Ele vai na padaria, que faz outro tipo de doce. Eu adoro as padarias brasileiras. Sinto falta do pão na chapa, do misto quente, mas uma tortinha de morango feita com fruta bem fresca, créme légère e base de farinha de amêndoa é outra coisa. É preciso comparar para ver a diferença e estar disposto a pagar por isso.

 

O macaron, que lançou Pierre Hermé ao estrelato, é tido como um dos doces mais desafiadores de fazer. Qual o segredo?
TB: O macaron é símbolo da confeitaria francesa e sempre teve um grande mistério por trás de sua fabricação, mas não é impossível de fazer. A dificuldade é que ele tem muitos parâmetros para dar certo. A umidade do ar, o tipo do forno, a qualidade da clara, tudo interfere no resultado. Eu Macau, por exemplo, a umidade do ar era tão alta que não formava crosta de jeito nenhum. Tive de tirar umidade da massa para conseguir obter macarons perfeitos. Uma vez que você entende todos os mistérios, você pode brincar. Dá até para colocar uma porcentagem de gordura na massa, com outro tipo de farinha, coco ou cacau, para saborizar. Mas 98% do sabor virá mesmo do recheio. Eu acho que o grande segredo é deixar ele descansar na geladeira de um a dois dias antes de comer. Assim, o biscoito estará mais seco por fora e macio por dentro, porque terá absorvido a umidade do recheio.

 

Reduzir a quantidade de açúcar nos doces e torná-los mais saudáveis parece ter virado palavra de ordem no mundo todo. Essa também é uma premissa dentro do seu trabalho de desenvolvimento no Pierre Hermé?
TB: Esse é um tema muito atual para todo confeiteiro. Trabalhar apenas com corantes naturais – seja de frutas ou legumes – já é uma realidade na empresa, tanto que os macarons não têm mais as cores tão vibrantes que chegou a ter no passado. Também estamos constantemente tentando reduzir o açúcar e a porcentagem de gordura nas receitas, mas sem exageros. Estamos fazendo muitos testes com inulina.

 

Como se vê no futuro? Tem vontade de voltar ao Brasil, ter seu próprio negócio?
TB: Estou há 10 anos em Paris e amo morar aqui. Mas sinto muita falta de estar próximo da família no Brasil (a cada 45 ele visita a avó paterna na Borgonha). Tenho vontade de voltar um dia e ter um negócio, mas não sei quando, nem como seria. Não acho que uma confeitaria boa precisa ter o luxo, o refinamento dos doces com que trabalho hoje. Um bolo não deixa de ser algo simples, mas com um jogo de texturas e combinações de sabores você eleva esse doce sem precisar ser milimétrico ou super preciso.

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