


Como nasce o chocolate bean to bar
Visitamos a nova fábrica da Baianí, em São Paulo, para acompanhar todo o processo de fabricação do chocolate, das amêndoas de cacau às barras
por Juliana Bianchi
Foi um pouco antes da Páscoa de 2021, em plena pandemia, que a baiana Juliana Aquino, ex-presidente da Associação Bean to Bar Brasil, inaugurou a nova fábrica da marca de chocolates tree to bar Baianí, na Chácara Santo Antônio, em São Paulo. Com direito a loja e café (este ainda a ser aberto), o espaço é perfeito para quebrar paradigmas. O primeiro, e mais importante deles, é que fazer o próprio chocolate vai muito além de derreter barras ou callets, temperar e moldar a seu bel prazer. O segundo é que produzir chocolate a partir das amêndoas de cacau não é um processo tão complicado assim e, por isso, não precisa estar restrito apenas às grandes indústrias que nos tornam reféns de suas receitas padronizadas.
Ainda que, como lembra Juliana, “bean to bar é processo e uma filosofia, não sinônimo de qualidade sensorial”. O que significa que na fabricação de uma barra a partir das sementes de cacau (ou amêndoas, como são mais conhecidas no meio), são tantos os caminhos que um “chocolate maker” pode tomar e as variáveis que ele terá de enfrentar, que é impossível garantir sempre um resultado positivo. Afinal, mais do que acertar na temperagem (seja pelo método que você escolher usar), será preciso ter sucesso na escolha dos grãos, no ponto de fermentação ideal (se é que você irá trabalhar com grãos fermentados), no nível de torra, tempo de moagem, porcentagem de inclusões que se fará (de leite e açúcar a outros ingredientes) etc.
Não, não é trabalho simples. Mas garante um resultado único e uma satisfação tamanha que fez com que Juliana largasse a carreira de cantora para se jogar, literalmente, num chocolate 100% nacional, que hoje pode ser encontrado até mesmo fora do Brasil sob a marca Baianí.
Ali, todas as amêndoas de cacau vêm da fazenda Santa Rita, localizada em um trecho baiano da Mata Atlântica conhecido como Vale Potumuju, a quase 400 km de Salvador. Daí as barras fabricadas na zona Sul paulistana poderem ser chamadas de tree to bar (da árvore à barra) e não apenas “bean to bar”. Dos 350 hectares que compõem a propriedade pertencente à família desde o fim do século 19, apenas 50 hectares são dedicados à plantação de cacau.
“Na época do meu pai chegou a ter 110 hectares plantados, mas a vassoura-de-bruxa (processo de infecção em cacaueiros causado pelo fungo Moniliophthora perniciosa que assolou as plantações brasileiras na década de 1990) acabou com tudo”, conta Juliana, que espera chegar a algo entre 75 e 85 hectares replantados nos próximos anos.

NA FAZENDA
É lá que o chocolate da Baianí realmente começa a nascer, com o estudo das variedades (veja aqui matéria sobre as variedades existentes), o manejo da roça, a escolha dos frutos a serem colhidos no ponto certo de maturação – “nem muito maduros, nem ainda verdes” –, o tempo e temperatura de fermentação e secagem das amêndoas. Toda decisão tomada em cada etapa dará origem a um chocolate com características diferentes. “Hoje, todo o processo é muito mais técnico e tecnológico. Tudo é controlado e analisado”, explica a chocolate maker.
As amêndoas colhidas vão direto da fruta quebrada ao meio para cochos de madeira de um metro, com apenas 50 cm de profundidade, para fermentar naturalmente a 50º C – 51º C, por cerca de sete dias. Nesse período, as sementes são remexidas diariamente para que as que estão no centro passem um tempo nas bordas e as do fundo também entrem em contato com o ar, garantindo assim homogeneidade em todo o lote.
Aprovado o ponto de fermentação é hora de ir para a secagem em gavetas rasas de madeira, localizadas em estufas que ajudam a protegê-las de eventuais chuvas e do sol intenso. “Vamos aumentando gradualmente o tempo da exposição ao sol para que a fermentação não seja cortada abruptamente”, detalha Juliana. Também com movimentações diárias por sete a 15 dias, essas amêndoas podem chegar a 60º C até atingir 7,5% de unidade, índice que a marca considerou adequado para dar início ao armazenamento e transporte seguro, sem grandes perdas com a quebra das amêndoas. “Não existe ‘nibs to bar’. A torra, que é a assinatura do chocolate maker, tem de ser feita com amêndoas íntegras”, esclarece Aquino.
Devidamente secas e ensacadas, nada de fazer chocolate ainda. Juliana tem por regra guardar por pelo menos mais 75 dias as amêndoas destinadas a chocolates especiais para que maturem antes de serem distribuídas aos compradores. Hoje, a Baianí absorve apenas de 120 a 200 kg das 15 toneladas de cacau produzido na fazenda. “Tenho mais de 2,5 toneladas de amêndoas que estão maturando há mais de um ano”, revela. O maior desafio, nesses casos, e manter as sementes livre de insetos, como a Ephestia, uma mariposinha que pode arruinar a produção a qualquer momento.

A TORRA
Já em São Paulo, as amêndoas são limpas de eventuais folhas e galhos que possam ter vindo junto, e separadas de acordo com cor, tamanho e integridade. É preciso ter grupos homogêneos para que então possam ser torrados de acordo com a receita determinada por cada produtor, para cada tipo de chocolate. Na Baíaní, por exemplo, um dos oito perfis de torra prevê um ciclo que começa com a exposição do cacau por cinco minutos a 140º C, baixa para 120º C e termina com 20 minutos a 115º C. “Chocolate é sobre sabor, degustação, não necessariamente sobre saúde”, diz ela, explicando que alguns cacaus, para liberar o sabor, exigem torras acima de 120º C, temperatura limite para a manutenção dos flavonoides (antioxidantes).
Uma vez feita a torra uniforme do lote, ele descansa em prateleiras até resfriar naturalmente. “Nossa torra já prepara a amêndoa para ir resfriando aos poucos mesmo. Não há necessidade de interromper bruscamente a cocção”, explica. Só então é hora de ir para a moedora, onde as amêndoas viram os famosos nibs.
Mas, lembra que em momento algum as sementes foram descascadas? Então, será preciso separar cascas de amêndoas com a ajuda de um soprador (ou secador de cabelo mesmo, mas usado exclusivamente para esse fim, claro), antes de seguir. Na Baianí, uma máquina própria já faz todo o processo. Mas isso não elimina a necessidade de uma cata manual final por garantia. “As cascas dos cacaus da Bahia são muito amargas. Deixá-las no refino pode trazer um sabor que não agrada”, conta a fabricante. Há quem prefira pular essa etapa para chegar ao resultado desejado. São escolhas de cada “maker”.

PROCESSAMENTO
Para quem quer obter apenas nibs, o processo para por aqui. Mas, para chega à massa de chocolate as pepitas ainda terão de passar horas, na verdade dias, sendo trituradas em uma melanger (tipo um processador bem potente) até virar uma pasta lisinha e fluida. Na Baianí são em média dois dias e meio de máquinas funcionando sem parar (sim, elas esquentam muito bastante pelo atrito constante e, sim, elas quebram frequentemente pelo esforço prolongado) para chegar ao ponto de refino ideal.
É nessa etapa, numa sala com temperatura e umidade controlada (sempre abaixo dos 60%), que são preparadas as receitas propriamente ditas. Onde o chocolate com café receberá os grãos, o ao leite receberá sua dose de açúcar e leite, o de caipirinha, a cachaça com raspas de limão e por aí vai. Em alguns casos, uma porcentagem de manteiga de cacau também é adicionada para ajudar na textura.

MATURAÇÃO
Receita pronta, devidamente processada e peneirada (vai que algum grão conseguiu escapar) já é possível temperar e trabalhar com o chocolate. Mas Juliana prefere que as suas misturas descansem por ao menos 24 horas em assadeiras forradas com papel manteiga, armazenadas numa sala refrigerada, para que os cristais se reorganizem naturalmente e a complexidade dos sabores comece a aparecer. Depois disso as placas são quebradas e armazenadas em sacos hermeticamente fechados para maturar por mais ao menos mais 15 dias. Os chocolates mais intensos podem ficar até dois meses parados para que os sabores desabrochem. “Gosto de deixá-los maturando com açúcar, mas sem temperagem para que, com os cristais ainda meio desorganizados, o cacau tenha mais espaço para respirar”, explica.
Daí e diante é trabalhar o chocolate como já conhecemos: derrete, tempera usando a técnica que mais lhe agrada – na fábrica da Baianí são usadas uma máquina temperadora ou a tablagem, dependendo da quantidade –, molda e deixa endurecer. Em alguns casos os chocolates maturados podem até voltar para a melanger para receber outras inclusões de ingredientes, mas é uma questão de receita final para criar todas as variedades oferecidas na loja.

MANTEIGA DE CACAU
Uma vez por semana a equipe de Juliana ainda faz a extração da própria manteiga de cacau a partir dos nibs torrados e aquecidos e a ajuda de uma máquina com rosca infinita que espreme os sólidos ao máximo até separar todo o óleo ali contido.
O resultado é, de um lado, um “rococó” seco de cacau, também conhecido como torta, que triturado vira farinha de cacau (não solúvel) e dará origem ao cacau em pó. E, do outro, um óleo escuro que, após ser decantado por dois dias se separará em manteiga de cacau clarinha, pronta para ser usada, e uma massa gorda perfeita para ser usada em cosméticos. “Um quilo de cacau renderá apenas 300 g de manteiga”, revela a fabricante, que reserva toda a produção para consumo próprio.

Finalizado todo o processo de produção do chocolate e das barras, com cada receita moldada em sua forma específica, é hora de embalar uma a uma e distribuir para a loja própria – que em breve ganhará um café -, os parceiros comerciais no Brasil e nos Estados Unidos e os clientes diretos, que compram pelo e-commerce da marca. E que venham mais chocolates por aí.
foto capa: Divulgação Baianí
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