


Pra não dizer que não falei das flores
Porque tudo pode se transformar em poesia, até um passeio!
por Joyce Galvão
O dia amanheceu frio, com a neblina encobrindo o topo das montanhas. Esfreguei os olhos e imaginei se eu não havia acordado logo no céu, pois além das bolas macias de algodão diante de mim, o silencio fazia tudo parecer fora de si.
Nem andorinhas muito menos os sábias cantavam por ali. Não havia cheiro de café e nem pão quentinho para partir. A cozinha, assim como os passarinhos, preguiçosa, insistia em dormir.
Resolvi calçar as botas do meu pai, largadas no quintal. Puxei um casaco grosso pendurado sem jeito na cadeira e sai para investigar se o céu, era mesmo ali.
Invadi a mata que circundava a casa dos meus pais. Nas mãos um facão, pois mesmo com o frio, me perguntei se as cobras também estariam preguiçosas para sair. Um primeiro passo e os gravetos, como um grito estridente, despertaram uma ninhada de tucanos que bateram os bicos, incomodados com a minha presença. Logo as andorinhas em revoada passaram diante de mim e um fio quente de Sol alcançou meu rosto. Sorri.
Segui adiante e comecei a sentir um cheiro, quieto como o outono mas feroz como o inverno. Em poucos passos avistei um pé de mexerica que, ao tocar bruscamente com os dedos liberou um aroma insistente. Um galho quebrado com pequenas mexeriquinhas repousava no chão. Investiguei por aranhas e outros medos, sem pressa peguei o galho nos braços e segui minha viagem.
No meio do caminho tinha um rio que corria sem pressa para lugar nenhum. Algumas capivaras se banhavam, despertando o corpo gentilmente, sem se preocuparem comigo ali. Sorri. Larguei meu galho, afaguei um pouco de água com as mãos e de novo, sorri.
O Sol agora brilhava mais intenso. As enfumaçadas chaminés avisavam sobre a hora do café. A mata balançava, as nuvens se despediam e o vento me chamava a voltar. Eu, mais uma vez, sorri.
Com as botas sujas de barro e a neblina condensada em meu casaco arrumei os tesouros da minha caminhada em um jarro, despejei água sobre o pó de café e aguardei que o cheiro despertasse meus pais.
Em poucos minutos meu pai desceu as escadas com um sorriso de bom dia e logo atrás, minha mãe com os cabelos perdidos para todos os lados reclamava sem parar. Sorri e conclui: definitivamente o céu era ali!


OUTRAS CRÔNICAS

