


Chocolate bean to bar nacional chega aos menus
Marcas brasileiras ganham espaço em restaurantes e confeitarias auxiliados pela alta do dólar e pela crescente valorização do produto local
por Juliana Bianchi
Reinando sozinho como sinônimo de qualidade por muitos anos, o chocolate belga finalmente encontrou um rival à altura nas cozinhas doces do Brasil. É o que estão descobrindo alguns chefs confeiteiros dispostos a fugir do lugar-comum e valorizar o produto local em busca de novos sabores e experiências únicas para o público.
Praticamente inexistente há dez anos, o chocolate bean to bar nacional, isto é, aquele feito do zero, a partir do grão até a barra, tem se desenvolvido a passos largos em volume e qualidade. E começa a dar as caras também nos cardápios de restaurantes e confeitarias.
Para além de experiências pontuais com nanolotes, como as já realizadas no passado por cozinheiros como Thiago Castanho, do Remanso do Bosque, em Belém (PA) e Gabriela Barretto, do Futuro Refeitório, em São Paulo (SP), a confeiteira Marilia Zylbersztajn fez no segundo semestre do ano passado uma aposta ainda mais contundente no cacau nacional: lançou uma linha de tortas – algumas inéditas, outras revisitadas – feitas 100% com chocolate bean to bar brasileiro.
Entre os itens do novo menu estão a torta de maracujá com mousse de chocolate 70% da Mission Chocolate, a torta de banana flambada com ganache crocante de castanha de caju, feita com chocolate 80% cacau da Chocolat du Jour (produzido com blend de cacaus do Sul da Bahia), e o carro-chefe da casa, a torta Explosão de Chocolate, que ganhou textura mais aveludada e fluida ao ser preparada com líquor da variedade forasteiro da marca Mestiço.

Crédito: Divulgação/ Marilia Zylbersztajn
“É o resultado de um exaustivo processo de pesquisa com muitas marcas e receitas. Queria muito fechar o ano com esse diferencial estratégico, mas tinha que fazer sentido na boca e na planilha de custos”, diz ela, apontando para um fator fundamental para o crescimento do mercado bean to bar no segmento de food service. Com a crise econômica e a alta do dólar, o valor da matéria-prima importada subiu tanto que o preço praticado pelos pequenos produtores artesanais, acabou se tornando competitivo.
Enquanto o famoso chocolate belga pode ser encontrado hoje em torno de R$ 70 a R$ 95 o quilo, o bean to bar brasileiro é vendido numa faixa entre R$ 110 a R$ 180 o quilo. “Nosso valor praticamente não mudou, mesmo com a inflação. Continuamos sendo mais caros, mas a diferença já não é mais tão grande. Com a vantagem de que temos uma flexibilidade que a grande indústria não oferece. Estamos muito mais próximos dos chefs para suporte ou mesmo desenvolvimento de receitas exclusivas sem custo adicional”, aponta Rogerio Kamei, proprietário da Mestiço.
Com clientes como os restaurantes Evvai, Cepa, Casa Rios e Caos Brasilis, e cerca de 15 produtos diferentes no portfólio, Kamei viu seu faturamento não só crescer como ser puxado pelo food service, que no ano passado passou a responder por quase 60% da receita total da empresa. “Não foi exatamente uma estratégia, foi acontecendo no boca a boca ajudado pela economia, a valorização dos produtos de origem e os crescimentos orgânicos da marca e do mercado nacional de bean to bar”, conta ele.

Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae em 2021 em parceria com a Associação Bean to Bar Brasil, mais de 50% dos negócios ligados a esse segmento surgiram nos últimos quatro anos (a própria associação, nascida em 2017 com 12 produtores, hoje conta com 45 associados). Sendo que o faturamento de 42% dessas empresas cresceu em 2020 mesmo com a pandemia. E ainda há perspectivas de novos recordes pela frente, muito em função da venda de barras ao público final e do food service, que começa a engrenar.
“Todos os dias recebo mensagens de confeiteiros procurando parceiros nessa área. Hoje, quase 50% das marcas já oferecem essa possibilidade, mas cada uma tem sua forma de brincar com os chocolates que produz. O legal no bean to bar é justamente que não existe padronização de nada. Você tem acesso a toda cadeia e pode ir trocando conhecimento regularmente até chegar ao produto que você quer”, afirma Juliana Aquino, presidente da Associação Bean to Bar Brasil e fundadora da marca Baianí.
Padronização ou não, eis a questão
Assim como aconteceu no café, no vinho, nos azeites, nos embutidos e no queijo, a busca por produtos artesanais de alta qualidade, que expressem seu terroir e características originais, encontrou terreno fértil no chocolate feito a partir das amêndoas de cacau. Um trabalho minucioso que pode começar até mesmo no plantio e seleção árvores, caso o produtor também tenha a felicidade de possuir uma fazenda cacaueira para chamar de sua e gerar o chamado chocolate tree to bar (da árvore à barra).

O resultado são chocolates puros, cheios de personalidade, com notas e aromas sutis que podem agregar maior complexidade ao produto final. Mas também trazer alguma dificuldade no dia a dia na cozinha. Por não passarem por processos industriais e não receberem qualquer tipo de aditivo, os chocolates bean to bar costumam não ter a mesma padronização de textura e sabor encontradas nas grandes marcas, o que pode gerar alterações na receita final a cada novo lote. Sem falar na necessidade de maior domínio da arte da temperagem, uma vez que se trata de um produto mais delicado e instável. Como diz Kamei, “é uma relação que exige flexibilidade” e determinação.
“Os pontos de derretimento e pré-cristalização dos chocolates bean-to-bar são diferentes. Ele é mais sensível. É preciso testar e conversar muito com o produtor para entender as características antes de usar. Um único grau a mais pode ser suficiente para queimar o produto e perder a fluidez, por exemplo”, conta a confeiteira Mayra Toledo, que trabalha com três produtos da marca Luisa Abram para fazer recheios na May Macarons, e cobrir os pães de mel vendidos da Miel.
“Realmente, nesse quesito, nosso produto sai em desvantagem frente aos industrializados, mas estamos sempre a disposição dos confeiteiros para qualquer dúvida e treinamento. Precisamos deles do nosso lado para mostrar ao público final que chocolate não é tudo igual”, observa Luisa, fundadora da marca que leva seu nome. A empresa hoje conta com 20 clientes de food service, entre eles o restaurante Cuia, da chef Bel Coelho, a VitaNuts, que faz pastas veganas a base de castanhas, e um restaurante no Havaí. “O grosso do consumo de chocolate em todo o mundo é feito em preparações e não em barras. Ainda que a adição de outros ingredientes dilua o sabor original, usar um item especial como base traz complexidade ao produto final”, completa a produtora.
“A gente precisa parar de querer tudo sempre igual. No chocolate, assim como no café, cada detalhe do processo – da origem, variação e forma de secagem, à fermentação e torra –, contribuirá para se ter infinitas variações de sabores e aromas. E isso é muito bom”, reafirma Marilia.

O peso do propósito
Deixar claro para o consumidor final qual marca de chocolate está sendo usada em cada doce também tem se tornado cada vez mais comum não só para valorizar a cadeia de fornecedores como para reafirmar um posicionamento político da própria cozinha. “Para o cliente, talvez não faça diferença se eu usar um Callebaut ou um Luisa Abram. Mas quero poder trabalhar cada vez mais com parceiros nacionais, de preferência mulheres”, afirma Mayra.
“Para mim, faz muito sentido trabalhar com um produto sócio e ambientalmente responsável. Talvez minha margem não seja tão alta dessa forma, mas entendo que assim eu pago indiretamente pela manutenção da floresta em pé”, diz Marilia.
Ter uma causa ou uma marca nobre atrelada à qualidade parece ainda não ser estímulo suficiente para o consumidor final pagar a mais por uma sobremesa. Mas isso também pode ser apenas uma questão de tempo.
MAIS UM PEDACINHO?


O cacau nosso de cada dia
JÁ PRA COZINHA!

Bolo de chocolate escandaloso
