


A equatoriana Pía Salazar é eleita a Melhor Confeiteira do Mundo
Co-proprietária do restaurante Nuema, em Quito, a chef abusa das técnicas, algas, insetos e vegetais típicos de seu país para surpreender
por Juliana Bianchi
“Temos obrigação de buscar e pesquisar os ingredientes típicos de nosso país para apresentá-los à mesa de diferentes maneiras, conectados a nossas memórias e emoções. Esse processo é parte fundamental do que faço hoje”, disse a chef equatoriana Pía Salazar, durante palestra na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo. O evento aconteceu poucas semanas antes de ser eleita Melhor Confeiteira do Mundo pelo prêmio The World 50 Best Restaurant 2023. Um ano antes ela havia ganhado a mesma premiação na edição latino-americana.
Ao lado da ex-aluna da escola e chef confeiteira do restaurante Evvai, ela veio para discutir sobre as diferenças e os desafios entre o trabalho em restaurante e no preparo de doces de vitrine. “Ambas são importantes e precisam ter por trás as mesmas bases técnicas e muita pesquisa”, disse.
Bem como sobre o papel das mulheres latino-americanas na gastronomia. “As pessoas devem ser pagas por suas responsabilidades e não pelo gênero. Homens e mulheres podem criar coisa lindas juntos”, completou ela, que ao lado do marido, o chef Alejandro Chamorro, comanda o restaurante Nuema, em Quito (Equador). Em 2022 a casa ficou em 24º lugar entre os melhores restaurantes da América Latina e este ano estreou no ranking mundial na 79ª posição explorando com criatividade e respeito a grande biodiversidade equatoriana.
Mas foi de fato sua sobremesa mais famosa, apresentada apenas como “coco, levedura e alho negro” que tirou a plateia do sério. Até porque, mais do que esses três ingredientes, o prato conta com um quarto elemento secreto, apresentado como se fosse uma flor branca rendada. Na verdade, trata-se de uma alga originalmente laranja, que passa por processo de dessalga e descoloração por sete dias até ficar transparente e sem qualquer traço de mar, para então ser impregnada por leite de coco e ganhar sabor e textura únicos. Sob ela, zabaione de alho negro, doce e com leve gosto de alcaçuz, granita de coco ultracongelada (com aspecto de bolinhas de neve) e galette crocante, feita com levedura de pão desidratada, caramelo e coco ralado.





Coca, maçã e camomila (foto 1), mandioca com flor de laranjeira e tangerina (foto 2), Sorvete de fumo, vagens confitadas e verbena (foto 3), Coco, levedura e alho negro (foto 4)
Assim é a cozinha doce de Pía Salazar. Surpreendente, delicada, fora da caixa e absolutamente saborosa. Nela, verduras, algas, insetos, legumes, ervas, especiarias, frutas e flores típicos de seu país se combinam a cada estação com a dose certa de dulçor e muita técnica de confeitaria e cozinha para criar pratos únicos que conversam com todo o menu degustação da casa e trazem a finalização digna que toda a experiência gastronômica de alto nível merece ter.
Se ainda hoje as combinações fora de padrão são vistas com desconfiança, na abertura do restaurante, em 2014, as pessoas consideravam loucura. Mas a certeza de que estava no caminho certo e o reconhecimento da crítica especializada foi lhe dando ainda mais asas para fugir da obviedade do cacau que abunda em seu país.
“É preciso contar a mesma história do começo ao fim da refeição, sem se repetir ingredientes ou destoar. Tudo tem que fazer sentido, completar e ter digestibilidade”, explica ela. “Nós, confeiteiras, somos responsáveis pelo grand finale de uma refeição.”
Nascida na cidade de Cuenca, em uma família de médicos, Pía desafiou o pai para se tornar cozinheira. Formada em gastronomia pela Universidade de Quito, e pós-graduada em confeitaria no México, ela entregou-se de vez à área apenas em 2005, quando foi trabalhar ao lado de Astrid Gutsche – eleita Melhor Chef Confeiteira da América Latina em 2015 – no premiado restaurante peruano Astrid y Gastón, onde conheceu Chamorro e ficou até 2012.
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